Depoimento
A arte, ciência e tecnologia trazem para a discussão da produção artística contemporânea aspectos poéticos e estéticos intimamente relacionados com processos e sistemas intermediados por ambientes e processos técnico-científicos. Faz parte do escopo da arte o trabalhar com os aspectos sensíveis, ligados visceralmente aos sentidos e às emoções. Trabalhar no ambiente técnico-científico com esses aspectos desestabilizadores, polares e, até mesmo, dicotômicos, onde razão e emoção se complementam para criar algo para ser sentido pelo outro, é para mim um desafio e um fascínio.
Acredito que só posso ter autonomia, como artista, se for capaz de me expressar com liberdade. Para isso preciso estar ciente, mesmo que com certa superficialidade, dos conhecimentos, dos instrumentos e das tecnologias do momento histórico em que vivo. Sendo um produto da cultura contemporânea que me circunda fui conduzida ao conhecimento das linguagens de programação e da montagem dos hardwares que necessito para construir as obras que concebo. Viso assim atingir as finalidades poéticas, funcionais e estéticas que norteiam as minhas buscas. Para mim, a poética, a estética e a funcionalidade, complementam-se caracterizando-se como os fatores mais relevantes na construção das obras. Os aspectos técnicos precisem conhecidos e solucionados para atingir os objetivos buscados e por isso foi preciso adentrar-me na “cozinha” técnico-científica de modo a acinzentar a ‘caixa preta’. Este tipo de abordagem, com a qual concordo, é sugerida aos artistas por Vilém Flusser e Arlindo Machado. Concordo com eles pois considero ser esse o único modo possível de subverter os padrões massificantes da indústria cultural, rompendo com as restrições e com a importação de modelos culturais que os programas comerciais de autoria e as ações de marketing impõem aos artistas.
A revolução decorrente da emergência das tecnologias computacionais tem potencial para amplificar a reconstrução constando nosso repertório cultural, transformando, potencializando e até mesmo induzindo criação de novas formas e modalidades artísticas. Formas que possibilitem a diversidade, o desenvolvimento e até mesmo a competitividade no mercado internacional, nas áreas em que possam ser aplicadas, como por exemplo, os games, a arquitetura e o desenho industrial.
As obras-programa descritas neste site fazem parte de projetos experimentais que investigam tais assuntos. Questionam estereótipos e exploram possibilidades como a simbiose de humanos com processos autônomos e artificiais e a criação de triálogos cibernéticos entre interatores, programa/sistema computacional e objetos materiais. Atuando como artista desde 1977, foi a partir de 1987 que comecei a me dedicar à criação de obras cibernéticas explorando situações poéticas interativas através da produção daquilo que denomino como obras-programa.
Procuro através da criação dessas obras-programa estabelecer significados expressivos e não linguísticos fora das narrativas lineares. Exploro formas de comunicação e expressão, poéticas e estéticas, que rompem com a noção de realismo que viceja nos redutos computacionais. Agencio mundos virtuais e organismos artificiais materiais, fluidos e flexíveis, para os quais busco qualidades visuais como leveza, profundidade, espacialidade, interatividade, não linearidade, a obtenção de complexidade a partir de regras simples. Eles apresentam, também, características como a intangibilidade dos sonhos e das imagens fragmentárias do inconsciente. Busco elaborar poéticas e estéticas imanentes aos sistemas cibernéticos; concebo membranas para a comunicação com outrem, membranas a serem compartilhadas e transformadas. Transcodifico linguagens, imagens e sons, miscigenando meios, transformando-os em signos poéticos, numéricos, que podem provocar sensações e experiências sensoriais tão intensas como as da visão sólida ou estereoscópica. As obras-programas agenciam-se de três modos: como realidades virtuais, como organismos artificiais e como cenários interativos. Os sistemas cibernéticos delas decorrentes oferecem algumas possibilidades diferenciais tais como:
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Vivenciar a imersão em profundidade, estereoscópica;
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Experimentar manipulações interativas;
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Participar do agenciamento de processos autônomos gerativos e inteligentes;
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Interagir com sistemas artificiais capazes de perceber, diferenciar, aprender, escolher e se expressar;
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Experimentar simbioses com organismos artificiais;
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Estabelecer triálogos entre o autor (artista-programador), o sistema artificial e o interator.
Além dessas características, os sistemas cibernéticos possuem duas outras características que me interessam: a sensorial e a sígnica. Humanos sentem, pensam e agem. Sistemas artificiais percebem, discriminam, escolhem e respondem: percebem as ações humanas, escolhem as faixas que caracterizam as ações percebidas e respondem expressivamente a elas através de alteração de cores, formas, movimentos e sons. Tais sistemas compostos por máquinas semióticas agenciam organismos virtuais e materiais desvelando campos de possibilidades para interações estéticas e poéticas.